A era das trends: todo mundo surfando a mesma onda
Nos últimos tempos, basta abrir qualquer rede social para ver a nova febre do momento. Um dia é um desenho japonês com olhos gigantes. No outro, um bonequinho com carinha simpática. Avançamos rápido: logo o bonequinho ganha braços, depois começa a dançar, a voar, a cantar.
E assim, num piscar de olhos, o feed vira um oceano saturado de tendências, onde todo mundo surfa na mesma onda — mesmo que não tenha nada a dizer.
É bonito? Às vezes.
É criativo? Às vezes.
É autêntico? Quase nunca.
Esse cenário, antes restrito ao entretenimento, invadiu também a política. Candidatos e equipes de comunicação embarcam nas trends como se isso fosse garantir conexão real com o eleitor. Mas aí vem a pergunta que poucos têm coragem de fazer:
Você está se conectando com seu eleitor ou apenas tentando viralizar?
É nesse ponto que entra a reflexão que poucos exploram com profundidade: o que realmente motiva uma pessoa a votar?
O conteúdo político na era da atenção
Vivemos uma era em que a atenção das pessoas é disputada segundo a segundo — e, na política, atenção é poder.
A pergunta que todo político, assessoria ou equipe de comunicação deveria fazer diariamente é: para quem estou falando?Porque falar de política sem entender o coração, o bolso e a rotina do eleitor é como tentar vender guarda-chuva num dia de sol escaldante.
Enquanto alguns se esforçam para viralizar, outros esquecem que a verdadeira viralização é tocar quem vai às urnas — e não apenas quem curte ou compartilha. Hoje, muitos discursos políticos nas redes sociais estão desalinhados com a realidade de quem de fato decide uma eleição. E isso nos leva a um ponto crucial: as motivações que movem o voto no Brasil são diferentes entre as classes sociais. Entendê-las é o primeiro passo para ser relevante.
Pensar fora da caixa é fundamental. É preciso lembrar que, quase sempre, o estrategista ou político faz parte da ponta dessa pirâmide social. Isso significa que carrega uma bagagem de privilégios e, junto com ela, muitos pré-conceitos inconscientes. Se você quer se conectar com o público, precisa conhecer a fundo, vivenciar e entender na essência as dores, os medos, os sonhos de quem está na base. Sem isso, sua comunicação será apenas um eco de si mesmo — e não um canal de conexão com o eleitor.
Comportamento Eleitoral e Motivadores por Classe Social
Classe A: Ideologia acima de tudo
Alta renda, autonomia total. A Classe A representa 2,9% da população e reúne empresários, executivos e profissionais liberais com renda acima de R$ 28.240 mensais. Eles vivem em bolhas que os afastam dos serviços públicos.
O voto aqui é puramente ideológico. A disputa é clara: Lula x Bolsonaro, esquerda x direita, Estado x mercado. Os debates não giram em torno de necessidades concretas, mas de projetos de país, visões econômicas e pautas morais e identitárias.
Você já se pegou nessa discussão? Ridicularizando o inglês de Bolsonaro ou chamando Lula de ex-presidiário por causa do triplex? Se sim, bem-vindo ao ciclo sem fim da polarização — um ringue constante onde poucos saem convencidos, e quase ninguém sai transformado.
Exemplo de discurso para esse público:
“Chega de Estado inchado e ineficiente. O Brasil precisa de liberdade para empreender e segurança jurídica para crescer.”
Classe B1: Costumes, valores e estabilidade
Com renda entre R$ 14.120 e R$ 28.240, a Classe B1 representa 5,1% da população. São pequenos empresários, gerentes de grandes empresas, profissionais liberais em ascensão.
Essa classe valoriza os costumes, a família, a ordem e a meritocracia. A estabilidade é fundamental: emocional, econômica e social. Para esse público, mudanças bruscas são ameaças, e discursos que evoquem nostalgia ou resgatem valores tradicionais costumam funcionar.
Exemplos de comunicação para esse público:
- “Aqui, a família é prioridade. Vamos proteger nossos valores e garantir um futuro seguro para nossos filhos.”
- “Você trabalhou duro para conquistar o que tem. Nosso compromisso é garantir que ninguém tire isso de você.”
Classe B2: Os serviços na mira
Representando 16,7% da população, a Classe B2 tem renda entre R$ 7.060 e R$ 14.120. Aqui, as pessoas transitam entre o público e o privado: pagam por convênio básico, mas dependem de serviços públicos essenciais.
Quando um hospital público está lotado, quando a escola não tem estrutura ou o transporte é precário, esse público sente diretamente o impacto. Se o sistema estiver ruim, o gestor será cobrado.
Exemplos de comunicação para esse público:
- “Você paga seus impostos. Tem o direito de exigir um hospital que funcione e uma escola que ensine.”
- “A gente vai resolver os problemas que você enfrenta todo dia: no ônibus lotado, no posto sem médico, na escola sem merenda.”
Classe C1: Sonhos e estabilidade
Com renda entre R$ 4.236 e R$ 7.060, a Classe C1 representa 21% da população. Essa nova classe média conquistou crédito, consumo e acesso ao ensino superior. Mas sente na pele o impacto da inflação: cada real vale menos, cada compra exige mais cálculo.
Além dos serviços públicos, o aumento do custo de vida pesa muito. O medo de regredir é constante. Eles já viram a escada da mobilidade social, mas agora temem escorregar.
Exemplos de comunicação para esse público:
- “Vamos baixar o preço do gás, da carne e do transporte. Seu dinheiro precisa voltar a valer.”
- “Quero ver sua filha se formando na faculdade e você com emprego digno para pagar as contas.”
Classe C2: A luta por dignidade e o medo de perder o pouco que tem
Renda entre R$ 2.824 e R$ 4.236. População: 26,4%. Aqui, o voto é movido por necessidades concretas e imediatas: alimentação, aluguel, transporte, renda mínima. Mas existe também um fator psicológico muito poderoso: o medo.
Mesmo que o medo atinja todas as classes, aqui ele é sentido de forma mais intensa. “Se já tenho pouco, não posso perder esse pouco.” Esse sentimento move decisões políticas.
Exemplos de comunicação para esse público:
- “Quem trabalha duro merece respeito. Vamos proteger o que você conquistou e garantir que você tenha mais.”
- “Se a feira tá cara, o salário tem que render. Nosso compromisso é com sua geladeira cheia.”
Classes D e E: Sobrevivência e dignidade
Com renda de até R$ 2.824, essas classes somam 27,9% da população. Muitos estão em situação de vulnerabilidade social ou sobrevivem com auxílio do governo.
O voto não é ideológico. Nem partidário. É sobre viver ou não viver. Se o arroz volta para a panela. Se a luz vai ser cortada. Se o filho terá leite amanhã.
Programas sociais são preponderantes. Pouco importa se o governo é de esquerda ou direita — esse eleitor precisa saber se vai continuar recebendo o que garante sua dignidade.
Exemplos de comunicação para esse público:
- “O Auxílio vai continuar. E com mais dignidade, mais respeito e mais oportunidade.”
- “Não importa em quem você votou no passado. O que importa é que agora você vai ser prioridade.”
Atenção especial às classes C, D e E: onde o silêncio digital também é político
Agora vamos falar sério. Bem sério. A maioria dos estrategistas políticos que criam campanhas digitais vive em casas com Wi-Fi veloz, usa iPhone e acessa internet ilimitada. Mas… e quem vive do outro lado da tela?
Nas classes C, D e E, a realidade é bem diferente.
Tem gente que só tem internet quando pinga o sinal do vizinho. Tem celular com tela quebrada, pacote de dados que acaba em dois dias, ou nenhum aparelho. Em muitos lares, o acesso é compartilhado — uma mãe, dois filhos e um único celular.
A bolha é real. E perigosa.
Segundo o IBGE, em 2023, mais de 22 milhões de brasileiros com 10 anos ou mais não usavam a internet. Isso representa 12% da população. E não é só falta de conexão. É também falta de estrutura, de formação digital, de suporte.
Quer um dado ainda mais simbólico?
De acordo com a TIC Domicílios, 76% dos usuários de internet no Brasil já enfrentaram dificuldades em tarefas simples — como preencher um formulário, enviar um e-mail, navegar por um site.
É como se o mundo digital tivesse portas, mas as chaves estivessem nas mãos erradas.
Enquanto as classes mais altas se comunicam com filtros, lives, cortes e storytelling no TikTok, as classes mais baixas ainda vivem a política no boca a boca, no mural da UBS, no panfleto na porta da escola.
A economia da atenção nesse universo não está em efeitos visuais nem em trends coreografadas. Está na urgência. No “o que esse candidato vai fazer por mim agora?”. Está em saber se o auxílio vai continuar. Se o aluguel não vai atrasar. Se o ônibus vai passar.
Por isso, achar que todo mundo está nas redes é não entender o Brasil real.
E usar a mesma estratégia pra falar com quem vive mundos tão diferentes…
É como tentar usar 5G onde nem poste tem.
Atenção: o silêncio digital dessas pessoas também é político. E se você não encontra um jeito de chegar até elas, outro vai chegar.
A pergunta é: você está disposto a sair da bolha?
Conclusão – A escolha entre a onda e a âncora
Agora que você conhece os motivadores por trás do voto de cada classe social, me diga com sinceridade:
Quantas vezes você parou tudo para gravar uma trend porque “todo mundo estava fazendo”?
Quantas vezes trocou profundidade por performance? Quantas vezes se perguntou se aquele conteúdo estava alinhado com quem realmente precisa de você?
É importante dizer: não há nada de errado em participar de uma trend. Isso faz parte da dinâmica social e pode, sim, gerar engajamento. A questão aqui não é estética, é efetividade. É sobre usar a linguagem do momento sem perder de vista o propósito e a conexão com o eleitor.
Na política, há dois caminhos: surfamos a onda do momento ou lançamos a âncora do que é essencial. As ondas são populares, rápidas e esquecidas. A âncora segura seu propósito, sua identidade e sua estratégia.
Se você quer ser lembrado na urna, comece sendo lembrado na vida do seu eleitor. E isso começa não com mais um vídeo bonito, mas com um discurso que acerta o coração de quem vive a realidade — e ainda tem esperança de mudança.
Agora, claro, nenhuma comunicação bem feita é capaz de resolver uma gestão fraca e sem entrega. Mas isso… é assunto para outro artigo.